Comentário

Igualdade salarial <br> Uma luta de todos

Inês Zuber

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É ver­dade que as ins­ti­tui­ções eu­ro­peias têm pro­cla­mado, ao longo dos anos e em di­versos do­cu­mentos, o pre­tenso ob­jec­tivo de con­cre­tizar o prin­cípio da igual­dade sa­la­rial entre ho­mens e mu­lheres. Ainda por estes dias, no Par­la­mento Eu­ropeu (PE), dis­cute-se um pro­jecto de re­la­tório para esse efeito. Mas, tal como em mo­mentos an­te­ri­ores e re­pro­du­zindo a aná­lise do pen­sa­mento do­mi­nante em re­lação ao tema, a dis­cri­mi­nação sa­la­rial é abor­dada de forma abs­tracta, seg­men­tada, com­par­ti­lhada, e não in­se­rida no quadro das re­la­ções de pro­dução ca­pi­ta­lista pre­va­le­centes. O do­cu­mento re­fere, de forma exem­pli­fi­ca­tiva, a ne­ces­si­dade de «in­formar e sen­si­bi­lizar» os em­pre­ga­dores sobre as dis­pa­ri­dades so­ciais exis­tentes ou pos­sí­veis na sua em­presa, de forma a al­terar a si­tu­ação. Como se os pa­trões não fossem pre­ci­sa­mente aqueles que aplicam me­didas de dis­cri­mi­nação sa­la­rial e como se tal de­cor­resse da sua «in­sen­si­bi­li­dade» para a igual­dade e não da ló­gica do grande ca­pital para uti­lizar as dis­cri­mi­na­ções sócio-cul­tu­rais de que as mu­lheres são alvo para au­mentar os lu­cros à custa de baixos sa­lá­rios e da ex­plo­ração do seu tra­balho. Desta forma, «iso­lando» o pro­blema da dis­cri­mi­nação das mu­lheres, oculta-se a prin­cipal questão – a de que a eman­ci­pação fe­mi­nina é in­dis­so­ciável e cons­titui parte in­te­grante da eman­ci­pação dos tra­ba­lha­dores.

O ob­jec­tivo do fim das de­si­gual­dades e dis­cri­mi­na­ções sa­la­riais está pa­tente em di­versos do­cu­mentos eu­ro­peus e in­ter­na­ci­o­nais – na Con­venção 100 da OIT, na Con­venção sobre a Eli­mi­nação de Todas as Formas de Dis­cri­mi­nação contra as Mu­lheres da ONU, no Pacto Eu­ropeu para a Igual­dade de Gé­nero, em di­versos re­la­tó­rios da Co­missão Eu­ro­peia e do PE. Co­me­morou-se, in­clu­si­va­mente, no pas­sado dia 22 de Fe­ve­reiro, o Dia Eu­ropeu da Igual­dade Sa­la­rial. Mas qual é a re­a­li­dade com que as mu­lheres por­tu­guesas se con­frontam?

Por­tugal, se­gundo dados de 2010, é o se­gundo país da UE-27 onde as de­si­gual­dades sa­la­riais são mai­ores.* Esta dis­cri­mi­nação não só se tem man­tido como, em al­guns casos, agra­vado. Se­gundo dados do INE, em Por­tugal, em Ou­tubro de 2010, a re­mu­ne­ração média mensal dos ho­mens era de 1024,42 euros e a das mu­lheres de 831,86 euros, re­gis­tando uma di­fe­rença sa­la­rial de 19 por cento, sendo que os sec­tores onde esta di­fe­ren­ci­ação é mais forte são os sec­tores da in­dús­tria trans­for­ma­dora e da «Saúde Hu­mana e Apoio So­cial», onde as mu­lheres re­cebem, res­pec­ti­va­mente, menos 32 por cento e 34 por cento do que os ho­mens. É também maior o nú­mero de mu­lheres em re­lação aos ho­mens a re­ce­berem o sa­lário mí­nimo na­ci­onal e, no ter­ceiro tri­mestre do ano pas­sado, 71 por cento dos con­tratos a tempo par­cial foram feitos com mu­lheres.** Por outro lado, as mu­lheres qua­li­fi­cadas são aquelas que so­frem de maior se­gre­gação sa­la­rial (em 2009, as mu­lheres qua­dros su­pe­ri­ores ga­nhavam, em média, apenas 75,2% do sa­lário mas­cu­lino) o que se ex­pli­cará, em grande me­dida, pela im­pos­si­bi­li­dade do pa­tro­nato em es­ta­be­lecer mai­ores di­fe­ren­ci­a­ções sa­la­riais nas ca­te­go­rias pro­fis­si­o­nais com sa­lá­rios muito baixos. A juntar a tudo isto, as mu­lheres são ainda mais dis­cri­mi­nadas, aquando do pe­ríodo de ma­ter­ni­dade, na ob­tenção de pré­mios de as­si­dui­dade e pro­du­ti­vi­dade, como ficou bem pa­tente na prá­tica ver­go­nhosa de em­presas como a TAP. Ainda em Por­tugal, se­gundo vá­rios es­tudos, foi entre o pe­ríodo his­tó­rico 1974-1981 que os sa­lá­rios de ho­mens e mu­lheres mais se igua­laram. E as causas para que tal su­ce­desse não são di­fí­ceis de apontar – o au­mento ge­ne­ra­li­zado dos sa­lá­rios e a con­quista de di­reitos la­bo­rais como o di­reito sin­dical e à con­tra­tação co­lec­tiva, entre ou­tros. Em suma, a me­lhoria ge­ne­ra­li­zada dos di­reitos dos tra­ba­lha­dores.

Por tudo isto, a luta pelos di­reitos das mu­lheres e pelo fim das dis­cri­mi­na­ções sa­la­riais está pro­fun­da­mente in­te­grada na luta mais geral dos tra­ba­lha­dores, a qual tem que ser le­vada a cabo por todos, em es­pe­cial nas ruas e nas em­presas e lo­cais de tra­balho. Lutar contra o re­cente acordo de con­cer­tação so­cial que ataca a con­tra­tação co­lec­tiva é lutar contra as dis­cri­mi­na­ções ar­bi­trá­rias. Lutar contra a fle­xi­bi­li­zação dos ho­rá­rios de tra­balho é lutar pelo di­reito à con­ci­li­ação entre a vida pro­fis­si­onal e fa­mi­liar. Lutar contra a po­lí­tica de baixos sa­lá­rios é lutar pela ele­vação dos di­reitos das mu­lheres. E a luta que tra­vamos não se des­tina a «sen­si­bi­lizar» pa­trões mas sim a acabar com um sis­tema de ex­plo­ração ca­pi­ta­lista que se apro­veita da con­dição so­cial da mu­lher para me­lhor con­se­guir vingar.

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* Dados do Eu­ro­found in Fer­reira, Vir­gínia (org.), 2010, A igual­dade de mu­lheres e ho­mens no tra­balho e no em­prego em Por­tugal, Lisboa: CITE, p.140

** Es­tudo de Eu­génio Rosa, «Al­guns dados e re­fle­xões sobre a si­tu­ação da mu­lher em Por­tugal no pe­ríodo 2007-2011»



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